sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Faça como o vento

Acordei. Olhei pro teto, fechei os olhos de novo, um vento fresco entrava pela janela e me tocava com carinho. Fui lavar o rosto. Enquanto eu me encarava no espelho do banheiro, desgostando da pessoa que eu via refletida, o celular tocou no quarto.

- Oi, mãe.
- Bom dia, filha, acabou de acordar?
- Aham.
- Já comeu?
- Não, eu acabei de acordar.
- Seu primo sofreu um acidente.
- Que primo?
- O Eder. Dormiu no voltante, voltando de uma festa.
- Onde ele tá internado? Foi grave?

Ela ficou em silêncio por alguns segundos, que responderam por ela. Meu primo está morto.

- Puta que pariu, mãe. Ele...?
- É. Pra você ver como que é a vida. Na minha última conversa com ele, ele falou de você. "A Amanda é muito gente boa, tia, nunca vi uma menina fácil de conversar igual ela."

De fato, conversei muito com ele nas férias. Bebemos, jogamos truco e falamos até sobre mulheres. Ele, católico, sem nenhum problema em estar sentado num pesque e pague do interior, onde todo mundo o conhece, com a prima sapatão. Eu não sei lidar com mortes. Quem sabe, afinal? Não é um problema que se pode solucionar, nem um fato que outro fato amenize. A morte é um minuto de silêncio eterno. Fui até a janela, precisava do mesmo vento que me tocava quando acordei. O vento estava igual, ainda está... Mas agora eu o sinto diferente. Senti raiva de estar um clima agradável, como se fosse um desrespeito ao meu luto. Então, me lembrei do meu poema preferido, que Ferreira Gullar fez para Clarice Lispector, quando ela morreu.
"Enquanto te enterravam no cemitério judeu
do Caju
(e o clarão de teu olhar soterrado
resistindo ainda)
o táxi corria comigo à borda da Lagoa
na direção de Botafogo
as pedras e as nuvens e as árvores
no vento
mostravam alegremente
que não dependem de nós"
Ainda bem que não dependem. 
Vá tranquilo, vá tranquilo pra lugar nenhum, primo, pois, aqui, o vento ainda sopra como quem não tem pressa.

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