quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Palavras de uma alma inexistente

Um homem estranho pega na mão dela e eles saem juntos, felizes, contando segredos no ouvido um do outro. Somem no horizonte. De repente, jatos de sangue começam a jorrar de minhas veias, crateras se formam em minha pele, meus olhos incham, explodem, e deles saem imagens nossas, do que já foi de nós. O relógio desperta. Era apenas um pesadelo. E agora, já acordado, começa o pior dos pesadelos: é outro dia sem você.

Ósculos, amplexos e as tão sonhadas viagens ficam guardados naquela gaveta de mogno, na última delas, com cheiro de móvel velho, juntamente com algumas fotos e bilhetes escritos com caneta bic e assinados com pseudônimos que só nós entendíamos. Só nós. E agora nós estamos sozinhos. Cada um a sós com as lembranças, as perguntas, o gosto de café e o cheiro do cigarro, que estão inadequadamente substituindo o gosto dos beijos e o cheiro dos pescoços.

Eu te amo! Está tudo errado, e eu te amo, está tudo fora do lugar, e eu te amo. Todos os nós que foram atados com sorrisos que mostram o fundo da alma e suspiros suados, todas as promessas que foram banhadas nas nossas bocas por nossas salivas confiantes de um futuro bom, um futuro nosso, deveriam valer de alguma coisa, já que o que somos não vale mais nada. Hoje esse futuro é mais um negativo de fotos que não foram reveladas.

Hoje eu juro que pego um buquê... sim, um buquê vermelho e uma garrafa de whisky velho, pego um ônibus e vou rumo a lugar nenhum, pois é lá que está minha alma. Ela inexiste sem a sua presença. Darei a ela o buquê, beberei com ela o whisky. É. Serei amante da minha alma inexistente, pois é apenas com ela que consigo trair nossas memórias.

O viúvo negro

O som do piano velho, o vinho seco trincando nossas línguas, seu sorriso maquiavélico quando minha mão desce um pouco mais. Foi tudo sempre tão sombrio entre nós. Lindamente sombrio. E é assim que acabará: sombriamente.

Lembro-me de quando ainda tínhamos sexo. Você com uma corrente no pescoço, presa à cama, se arranhando com as unhas pintadas de preto e as pupilas dilatas, me chamando pra lhe abater. Como você era boa no que fazia. A amante atrevida, a mulher fiel.

Depois daquele acidente, eu perdi você. Você se perdeu. Agora o que eu tenho, o que você tem, é sua figura semimorta nessa cama. Ah, Felícia, você está tão pateticamente entregue! A chama inapagável dos seus olhos não é nem faísca agora, suas unhas estão cianóticas e seus lábios descascando, perdendo a pele vermelha de outrora.

Minha cara, eu te daria minha vida. Eu mataria e faria magia se fosse algo útil pra trazer de volta os movimentos de seu corpo, a libido que antes era um tigre preso, pronto para atacar e chegar até as entranhas de sua vítima. Ah, quando você gemia... eu podia sentir seu sangue borbulhar, seu coração espancar tudo em volta com a força de sua batida. Agora seu coração é um grão de areia sendo balançado pela brisa mórbida dessa casa.

É por isso, meu amor, que em minhas mãos tremulas e inseguras, está este punhal. Ele entrará em seu peito, sobre seu coração, e sua ponta chegará até o lençol branco, que logo será inundado pelo seu sangue de vinho seco. Eu te libertarei do “não se ter” que está sendo tudo isso. Muitos acharão que eu sou um assassino frio, mas eu sou apenas um homem que está louco pra acabar com a dor de quem ele mais ama.

É agora, Felícia. Eu te pediria um ultimo beijo, mas não quero fazer disso um fim trágico shakesperiano. É um novo começo. Nós nos encontraremos em um lugar cheio de correntes para satisfazerem nossos fetiches. Eu te venero! Até lá.