terça-feira, 21 de agosto de 2012

Buracos e mais uma madrugada


Mais uma noite eu tranco a porta do quarto, apago a luz e escancaro a janela. Eu fico na cama deixando o vento frio desse Agosto amargo bater no meu corpo, na tentativa de sentir algo que não seja um vazio que me corta de ponta a ponta. E é um vazio tão cheio de coisas. Coisas com as quais eu não sei o que fazer. Como saberia, se eu não sei nem que coisas são essas?
Chega um momento em que o combo de diagnósticos que você recebeu se torna um peso morto, uma bola de chumbo presa ao seu calcanhar. O que sobra da vida, quando você redescobre a cada segundo que ela é um amontoado de casos e causas perdidas, é o que há de mais asqueroso. Com o evoluir da madrugada, além do cinzeiro, enche-se também o quarto, que fica abarrotado de fantasmas e de antecipações. E o pior: minha vida se enche também, se enche dos buracos que eu cavo buscando respostas.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Édipo


Hoje quando você chegou do bar, veio falar comigo outra vez. Pra minha surpresa, não foi pra descarregar o nojo, a revolta e a inconformidade que tem com a minha sexualidade. Você veio me dizer sobre a falta que eu faço. Com a sua voz alterada, pelo álcool e pela dor, você relembrou das nossas conversas na piscina da chácara, aquelas que aconteciam entre uma pirueta e outra que você me ajudava a executar. Conversas sobre como eu deveria crescer com paz de espírito, não dando lugar à ansiedade em excesso e à melancolia, que você já notava que eu havia “herdado” da sua família.
Sempre foi muito claro que além da testa grande, as orelhas e o jeito de jogar bola, eu também puxei de você essa tendência cruel ao isolamento e à introspecção. Nós íamos pra porta de casa quando você chegava do serviço e jogávamos futebol, e numa dessas passaram dois marmanjos de bicicleta e um deles gritou: “É bom ter filho homem, né?”. Eu me lembro de entrar pra casa com a bola debaixo do braço, engolindo o choro e morrendo de vergonha, me sentindo uma aberração aos sete anos, passando na frente do meu pai a humilhação que eu passava na escola. Quando eu relembrei o fato em uma de nossas últimas brigas, aos berros, dizendo “você acha que foi fácil crescer me sentindo esquisita? Você acha que eu escolhi?” e você disse não se lembrar do episódio, eu fiquei surpresa. Mas acho que com a pouca maturidade que tenho, entendo que muitas cicatrizes não são compartilhadas. Mas nós compartilhamos da ausência um do outro.
Sou grata por ter me apresentado bossa nova, clássicos do rock internacional e bons livros. Espero que um dia os diálogos voltem, e a troca de indicações de livros, filmes e bandas também. Sei que as ofensas disparadas um contra o outro, não voltam, mas que cicatrize e eu não seja mais uma daquelas adultas que mal trocam telefonemas com o pai. A vida talvez se concretize nos reencontros, não nos momentos de separação. Esse amor que tenho por você, todo machucado e nostálgico, habita aqui, no cerne do meu corpo andrógino, que você detesta, sempre habitará.