quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Atenciosamente, o que restou de você

Talvez não seja essa a direção, mas não existe marcha ré na vida. Quer voltar, minha querida? Infelizmente você não pode, sabe por quê? Porque o máximo que conseguimos de regressão na vida é um hiato, o mudo entre dois momentos, o inexistir durante um flash. Você está machucada, eu sei, mas não é só você. O mundo todo está calejado, muitos são imunes às cicatrizes por que se banham no direito à ignorância. Sua ferida está aí, eu sei, posso tocá-la se eu quiser, fazê-la doer como tantos outros fazem, mas opto por deixar-te aí, inerte, submersa, vilã de si mesma e vítima de todo o resto.

Não deixe suas ilusões fotografarem seu rosto perdido em um dia feliz, provavelmente não irá acontecer. Não acredito em predestinação, mas com você aí, entregue como um pequeno pedaço de merda, espatifada no sofá esperando as moscas, vomitando carniça em forma de palavras, dando de comer aos abutres que te circunscrevem, eu não consigo visualizar uma portal pra felicidade surgindo em frente seu rosto borrado no espaço.

Mas se você desse valor ao que eu te digo, eu tentaria de novo, diria outra vez: “Levante-se, jogue fora essa cruz que tanto venera, seu deus não está aqui e nunca esteve! Queime esse vestido longo que te cobre a sexualidade, acenda-se! Acenda-se, minha querida, para que possa sentir-se quente, e assim, estar apta para acolher a si própria, pois ninguém vai fazer isso por você. Então ao comando da minha voz, mude o bege desbotado deste quarto e convide seus demônios pra dançarem suas derrotas com você. Não faça de suas malícias e pecados seus inimigos, abrace-os pois, acredite em mim, eles são o que duram pra sempre e te tornam consistentemente e irrevogavelmente humana e passível de ser amada.”


Atenciosamente, o que restou de você.