domingo, 29 de maio de 2011

À culpa! - Fernanda Young

O que é isso, companheira? Sei que prometi mandar notícias o quanto antes e andava cheia de remorsos por não tê-lo feito ainda, mas nada justifica as acusações que você me faz.

Você diz que eu não me importo com você, quando todos sabem que pagar tudo que lhe devo é uma das minhas principais preocupações. Pergunte às minhas amigas: falo de você quase todo dia. De como sinto o coração apertar sempre que me lembro do que você significou em minha vida.

Curioso que, desde que nos conhecemos, você causa em mim essa sensação de estar deixando de cumprir algum compromisso que assumi. Acho que é a maneira como você franze as sobrancelhas quando olha para as pessoas; parece que está constantemente querendo nos lembrar de alguma coisa importante que esquecemos.

Desculpas, Culpa, mas fiquei magoada com sua idéia a meu respeito e gostaria de, mais uma vez, deixar claro que não quero me eximir de você. Mesmo que quisesse, seria impossível, psicologicamente falando. Estamos ligadas para sempre, eu e você, por mil motivos: passamos a infância juntas, fomos colegas no colégio católico, éramos inseparáveis na adolescência.

Enfim, sou incapaz de te esquecer, mesmo quando tento. Tudo me lembra você: as frutas que não como, as ligações que não faço, o remédio que não tomo, a saudade que não sinto.

Tem um livro, Culpa, que me recorda bastante você: O PEQUENO PRÍNCIPE. É lá que está escrito que nós nos tornamos responsáveis por aquilo que cativamos. Acredite, jamais negaria a minha responsabilidade sobre o nosso relacionamento. E fico penalizada de saber que você está assim, tão terrivelmente decepcionada comigo. Faço o que posso, você precisa entender.

Jurei que ia te visitar e vou, assim que for possível. Parece mentira esfarrapada, mas, com o passar dos anos, tenho estado com menos tempo disponível para eventos familiares. E você, Culpa, eu já considero da família.

Com certeza, vamos nos ver durante o Natal. Que, para mim, é quase um sinônimo da sua chegada. Senão, fica para o réveillon, quando provavelmente nos encontraremos na hora dos fogos. No máximo, depois do Carnaval - adoro dividir com você as besteiras que faço quando bebo, e me fazem falta seus sábios conselhos.

Calma, não me esqueço do seu aniversário, que se aproxima - é que não sei se poderei ir. Ausência que doerá mais em mim do que em você, pode acreditar. Mas é que estou de dieta, e suas festas, cheias de tentações deliciosas, engordam-me quilos.

Culpa, sei que parece que estou fugindo de você, mas se há um pecado que não cometo é o da injustiça. Carregaria você nos ombros, se você sobrasse para mim, somente. Mas nunca faltarão consciências, por aí, para arcar com você, se isso for necessário.

Tivemos nosso tempo juntas, e agora os anos colocaram distância entre nós. Sinto você aqui comigo, entretanto, neste exato momento. Só que você não é minha nem eu sou sua.
Melhoras, Fernanda Young

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Confissões a uma mucama

Maria, a cada vez que te escrevo sou tomada por uma grande alegria, uma satisfação. Afinal, minha pequena, és uma das raras escravas que sabe ler. Tens em teus vinte anos uma vitalidade de criança, tua pele de mulata que sempre está brilhando tanto... Ah, Maria, tu realmente és diferente das outras escravas! Confesso que me vem uma sensação ainda sem nome quando entras no meu quarto aos domingos, depois de banhar-te, para pentear meus cabelos antes da missa.

Eu estava me lembrando hoje daquele acontecimento do qual não conseguimos falar, apenas repetimos, refazemos. Nós não nomeamos, não dizemos em voz alta, mas o fato, Maria, é que nos beijamos. Beijamos-nos como homem e mulher. Mas somos duas mulheres, então não sei se podemos chamar de beijo, mas foi como um beijo é. E foi o melhor dos beijos que já provei. Melhor que o de Timóteo, melhor que o de Matias e de que todos os dos meus outros namorados secretos. Sempre que acontece, sinto-me culpada quando deixas o quarto, como se fosse pecado. É pecado, Maria?

Não quero que seja pecado, quero que seja algo pelo qual Deus não vá me castigar, quero que seja puro, como eu sinto que é enquanto acontece. Eu estou nervosa hoje, e preciso muito falar-te o motivo. Hoje quando vieste me pentear, parastes de frente para mim, aproximastes teu corpo do meu, quase encostando, e, bem, isso me fez sentir algo estranho, muito estranho. Senti entre minhas pernas, bem lá, um aperto. Passei a missa toda imaginando como seria se eu tivesse trancado a porta e feito algo que passeia em minha cabeça durante todo o dia, despir-te. Despir-te não por impureza, mas para acariciar-te, dar-te o carinho e o respeito que você, na condição de escrava, está tão desacostumada a receber.

Sou casada, muito bem casada, amo meu marido e a vida que ele me dá. Mas nenhum dos luxos compensa a tua ausência. Tu somes toda quarta-feira, sei que para encontrar aquele escravo da fazenda vizinha. Ele é bonito, tu já me contaste dele, já me disseste que ele fala palavras bonitas pra ti, coisas de amor. Gostaria de dizer-te coisas de amor. Se tu fosse homem, Maria, me casava com você. Acho que gosto demais de ti, mais do que uma senhora deve gostar de sua mucama, bem mais... tão mais. Acho que se tu morres, Maria, me dá aquele tal de banzo de que tu me falas. Vai ser como se tivessem me tirado a terra da qual eu pertenço. Tu és minha terra, mulata. Não sei por que, mas tu és minha terra. E um dia, quando vieres pentear meus cabelos, te colocarei no meu colo e a mucama serei eu. Terás um dia de pedidos, deixarei a santidade da missa para acatar a beleza de teus pecados. Talvez venha o castigo algum dia, mas passei a acreditar, ao passear na savana que habita o fundo de teus olhos negros e espantados, que não há neste mundo castigo pior que não chocar os olhos com o contraste entre nossas peles ao unirmos nossos corpos.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

And everytime I scratch my nails down someone else's back I hope u feel it

And everytime I scratch my nails down someone else's back I hope u feel it


And everytime I scratch my nails down someone else's back I hope u feel it


And everytime I scratch my nails down someone else's back I hope u feel it


And everytime I scratch my nails down someone else's back I hope u feel it



:)

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Clemência!

Eu queria saber explicar, queria que as palavras não saíssem em forma de “analogias nojentas”. Sabe aquela tortura chinesa de amarrar a pessoa e colocar uma goteira em cima de sua cabeça até que cada pingo que toca o couro cabeludo seja sentido como uma bigorna? Anda sendo bem isso desde que minha vida começou a definhar. Lentamente. Impiedosamente. Hipocritamente.

Espero que você não se torne alguém como eu, mais um filho da puta qualquer ouvindo DSBM e se cortando com lâminas carinhosamente chamadas de “alívio”. Espero que você não adquira minha doença, nojo crônico. Nojo de si, da própria existência, dos outros, do ar que respira, do álcool que bebe e da nicotina que traga. Não se enfurne nesse quarto três por quatro e espere algo ou alguém chegar pela janela e estender a mão e lançando um convite de fuga, não! Eu já sinto o mofo nas minhas narinas de tanto que já esperei. Não espere também. Fuja. Fuja e me apague da memória, repita a história que eu já estou farta de saber, de participar, de fazer o papel mais sujo e dispensável, pois o fim que ele leva, afinal de contas, é ser dispensado.

Minhas mágoas incrustadas em mim, feito catarro no nariz de criança mal cuidada, minhas mãos que estremecem diante de qualquer decisão, por mais ridícula que seja (“Coca média ou grande?”, “Black ou Lucky Strike?”, “fingir que achou graça ou não rir?”), meu olhar que fica longe a cada vez que a mínima ferida é atiçada por algum comentário aleatório e uma infinidade de outras pequenas porcarias estão ganhando proporções assustadoras e já passaram da categoria de “coisinhas minhas” pra “eu”. Eu sou isso, eu me resumo a isso. Me resumo à dificuldade de respirar quando as lembranças são ressuscitadas e à covardia de não assumir que sou a encarnação dos pequenos pecados de dimensões diabólicas. Talvez esteja assumindo agora, se fizer diferença. Não, não faz.

Eu deveria me sentir melhor ao me confessar, ao abrir minha caixinha de sujeiras e deixá-la gritar o conteúdo de seu interior, mas isso já se tornou, assim como todo o resto, tão patético, previsível. Que surpresa há em dizer o que está estampado na cara? Que dignidade há em assumir o que todos já estão cansados de deduzir? Eu ando clamando tanto por clemência que se eu conseguir, perco o sentido, talvez nem saiba viver se for diferente, se for menos catastrófico. Eu vivo pra ser perdoada, vivo pra implorar um não-abandono, vivo pra que seja diferente do que sempre é e, pensando assim, acho que na verdade nem vivo. E infelizmente não viver não é estar morto. Não viver é simplesmente não te ter aqui, não ter mais nada que importe e ainda ter o coração pulsando pra que se possa desfrutar de todos os danos que o vazio, a nostalgia, a saudade, o arrependimento, a mágoa, o ódio e a falta fazem. Clemência!

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Miolos e Liberdade

a arma
o gatilho
os miolos na parede
daí a liberdade - eterna e pura - apesar de toda a sujeira

terça-feira, 3 de maio de 2011

Tanto!

Tantos livros pra ler, tantas músicas pra ouvir, tantos filmes pra assistir, tanta comida pra experimentar, tantos desabafos pra escrever, tantas ideias pra serem postas em prática, tantas fotos pra rever, tantos cigarros pra fumar, tantas viagens pra fazer, tanto peso pra perder e tanto peso pra ganhar, tantas brigas pra travar, tantas coisas engasgadas que ainda precisam ser ditas, e, meu deus, tanto amor pra dar! E, mais ainda, tanto amor que ainda é vital receber...
Tanto a ser feito e o único tempo de sobra que há é o tempo perdido.