sábado, 30 de abril de 2011

IF I CUD SLEEP FOREVER...

Minha realidade, por Antonio

Desabafo

Cansada desse povo hypster achando que tá lançando tendência.
Cansada de gente transpirando sexualidade.
Cansada desse povo internético fazendo com Caio Fernando Abreu o que fizeram com Clarice Lispector: banalizando.
Cansada de gente confundindo nu artístico com postar a própria buceta no tumblr.
Cansada, rs.

Vou te contar o que eu sei...

Menino, eu sei que corações partidos são mais difíceis de colar do que todos os grãos de areia espalhados pelo Saara. Eu sei que uma lágrima sempre carrega junto dela fragmentos de uma história. Eu sei também que gritos abafados no travesseiro ecoam dentro da alma como berros numa caverna. E, menino, eu também sei que no seu coração mora uma Senhora Dor obesa, chata, que resmunga o dia todo e que não te deixa dormir. Mas, eu também sei de algo que consta no manual de sobrevivência pós-amputação emocional: nada nesse mundo é mais forte que desprezo, e desprezo se paga com desprezo.

O mundo está tão cheio de pessoas que só sabem ficar olhando pro espelho convexo da própria dor, contemplando suas mazelas miúdas, fazendo drama pela unha quebrada, pelo fora da festa passada, pela cerveja que acabou, pelo pinto que era grande demais, criando alarde pela festa “imperdível” que não foi... sabe essas pessoas? Essas que sobem no palco do direito de expressão e falam suas pequenas merdinhas cotidianas como se fosse alguma coisa, dizendo que querem morrer, que têm a pior vida do mundo, que blábláblá. Menino, você também se pergunta se essas pessoas não deveriam ser queimadas vivas? E você não se pergunta se é por uma pessoa dessas que você está sofrendo?

Me surpreende você, tolo menino, ter consciência da inferioridade e pobreza de espírito desses protótipos de homens e mulheres, desses maricas-humanos, e amar um deles. Me surpreende, mas eu compreendo, juro que sim, e você sabe, você que sabe do meu passado, sabe que compreendo. Mas, por favor, não siga meu exemplo. Não se arraste ridiculamente por uma pessoa covarde. Não dê seu sangue por quem não tem sangue correndo nas veias, não se declare pra quem não tem mais que um “sinto muito” ou “me desculpe” na ponta da língua pra te falar. Não empacote seu coração em uma lona preta e ponha em uma gaveta por quem está dando o próprio coração a pessoas que não valem o pêlo pubiano de um gigolô.

Eu poderia citar mil motivos que justificariam você deixar de lado essa coisa toda e sentir pena do alvo do seu amor, tamanho o desmerecimento. Mas eu sei que motivos nunca resolvem nada, motivos não movimentam ninguém, sentimentos sim. Então, despreze. Despreze seu sentimento, despreze aquele projeto mal acabado de gente e, o mais importante, despreze você quando você estiver se desprezando por ele. Não há beleza em amores platônicos, não há beleza em se contentar com migalhas, esse sacrifício contínuo de amar quem não te ama não chega nem a ser digno de pena, é digno de raiva. E é isso que eu sinto, sinto raiva da sua entrega tola, da sua cegueira crônica, da inexistência do seu orgulho, da sua automutilação, da idiotice das suas declarações. Primeiro porque eu me vejo em você, você vive hoje o personagem ao qual eu já pertenci (e vou pertencer pra sempre, pois não é o tipo de coisa que se supera) e, segundo porque eu te amo, e isso já justificaria tudo.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Mínima

Aqui estamos, presos no velho medo da ausência. É hora de despedir, é hora de fazermos com a nossa alma a metáfora do que as mãos faziam antigamente nos portos com os lenços: balançar bruscamente concretizando o adeus. Fico a pensar como o tempo e a vida são um casal audacioso, controlando tudo que acontece. A vida empurrando cada indivíduo para um inferno particular, que se dá através das frustrações que o tempo trás. Ah, isso sim é um casal em sintonia!

Antes, na minha mente imatura e fantasiosa, eu ostentava a idéia equivocada de amores shakespearianos acontecendo na vida de cada pessoa, como se fosse comum a todos da espécie humana o advento do amor em sua essência mais irrevogável. Hoje, menos ignorante e de olhos livres de vendas ilusórias, sei que poucos partilham a capacidade de amar na totalidade da palavra, leia-se doentiamente. Amar doentiamente é a única forma legítima e fiel de amor, as outras formas são versões fajutas, um meio mais barato de conseguir a – falsa – sensação de preenchimento.

Nós tivemos a chance de experimentar a forma doentia. E como experimentamos! O horizonte limitado que a sacada do nosso pobre apartamento nos proporcionava não impedia de forma alguma com que eu me sentisse instantaneamente, quando você me abraçava, numa bay window de uma mansão vitoriana, contemplando um jardim repleto de estátuas gregas. O cheiro de cigarro sempre rondando você, seu ar de intelectual decadente, decepcionado com a era das comidas de microondas e todas suas características exóticas me fascinavam. Mas com o tempo – olhe só eu falando dele de novo – foi me sufocando todo esse encanto, e não cabia mais em mim tanta admiração, ao passo de que tomou conta de mim um desespero gritante, pois eu não sabia como explorar toda a majestade da sua personalidade e da sua identidade.

Eu senti que nunca lhe conheceria, que nunca tiraria de você tudo que você tinha pra mostrar. Eu me senti minúscula. Você não sabe como castra a alma sentir que é incapaz de saciar a demanda da vontade. Eu queria demais, você era demais, e eu era pequena demais. Mesmo assim, sendo egoísta, não lhe contei da minha insignificância diante da sua impecável pessoa. Deixei você achar que havia algo mais em mim que bom gosto pra livros, filmes, música e viagens. O fato é que eu me resumo a isso, talvez tenha algo a mais, mas não grande coisa, nada que poderia satisfazer o padrão de pessoa que você merecia estar junto. Eu posso entender seus devaneios sobre política, crenças, fundamentalismo, consumismo, niilismo, eu posso entender sua opinião sobre Nietzsche, Freud, Jesus Cristo, sobre o caso de Columbine, posso até mesmo concordar com as suas teorias da conspiração, mas... Leopoldo, não estava na minha alçada superar suas expectativas. Eu seria uma eterna expectadora da sua genialidade, eu não fazia parte dela.

Podemos até estar no mesmo patamar de conhecimento, mas há algo que lhe coloca anos luz na minha frente: sua capacidade de conciliar você e o mundo real. Eu não suporto este mundo. Talvez suportasse se fosse ignorante. Você merece alguém que tenha, assim como você, a maestria de estar neste mundo, sabendo a desgraça que ele é, sem se tornar um insuportável carro de som fazendo propaganda de suas reclamações. Apesar de você discordar de quase tudo que é posto à mesa nos dias de hoje, você não perde a elegância de lidar com isso.

Mas esse é só um dos motivos pelos quais estamos neste momento de desatar os nós que nos prendem, não cabe a mim citar todos, você já os sabe. Como você não saberia? Estava tão presente e compenetrado na nossa relação quanto eu, e isso foi um dos fatores que nos fez durar tanto. Poucas coisas passaram despercebidas por você, coisas que eu fiz de tudo pra esconder por um motivo ou outro. Eu não confabulei chegar até aqui, tampouco você, mas aqui estamos. Como vamos sair disso? Sair da situação, sair um do outro, sair.

Estamos aqui, eu deitada no seu peito magro e fundo , posso sentir a sua respiração quente soprando lentamente meus fios de cabelo, dos quais você sempre riu e até já ousou dizer: “nunca vi uma mulher com um cabelo tão mal cuidado, eu gosto, te dá essência, me lembra a Bonham”. Eu te amo, Leopoldo, e agora, sentindo sua estrutura frágil tremer, eu provo o gosto amargo da concretização dos meus medos, e esta lágrima que agora você sente umedecer seu peito é a amostra do que está banhando minha alma e enferrujando minhas entranhas.

-- Você está chorando.

-- Vai adiantar se eu disser que foi um cisco?

-- Não, meu transtorno obsessivo compulsivo se encarregou essa tarde de eliminar qualquer cisco ou grão do nosso quarto.

-- Vamos dormir, está tarde.

-- Justamente por estar tarde eu não vou deixar você dormir. Está tarde, Clara. Tarde pra arrependimentos, tarde pra você me dizer que não valeu a pena. Eu sei que você sabe que eu tenho notado sua ausência, sua inexistência nesta casa. Eu não quero conviver com um espectro seu, eu quero você como você veio até mim, eu te quero completa.

-- Eu quero terminar. Na verdade, nós já terminamos.

Você se senta na beirada da cama. Estamos prestes a culminar, chegou o momento.

-- Clara, me diz o que está faltando. Nós sempre nos bastamos, o que está faltando, oras?

Você e suas perguntas sem resposta. Na verdade, está sobrando, Leopoldo, mas eu não vou lhe falar isso, é preferível que você me odeie a sentir pena de mim.

-- Eu te traí, Leopoldo. Não vou dizer com quem, nem meus motivos. Você não me faz mais feliz, não é a vida que eu quero pra mim.

Eu me levanto, num vulto sinto sua mão agarrar meu braço. “Você não fez isso”, você diz trêmulo e em prantos. Eu me esquivo, não consigo conter as lágrimas que descem rapidamente, os soluços fortes, e então começo a gritar, suplicando que me deixe ir, mesmo o meu maior desejo sendo ter forças para conseguir ficar e fazer dar certo, dar certo outra vez e pra sempre, como achamos que seria.

-- Clara, eu mudo qualquer coisa, nós vamos resolver isso – você me puxa, prende seu peito contra minhas costas e me abraça forte, eu sinto sua respiração e suas lágrimas na minha nuca – nós vamos resolver isso, nós vamos resolver isso, nós vamos resolver isso...

Eu perco as forças, me entrego. Você me deita na cama e me abraça com uma força que eu nem sabia que você tinha. Apesar de tudo, eu me senti em casa quando senti você. Eu acabei de perceber que você também é fraco, é fraco e humano, no mau sentido, como eu, e isso talvez resolveria as coisas, mas provavelmente amanhã eu sentirei toda minha insignificância novamente. Só que hoje, nem que seja só mais hoje, eu preciso desfrutar do seu calor tóxico, da sua saliva aliciadora, do seu toque preciso, do seu amor doente, da sua cegueira altruísta, do assassinato que você comete contra mim a cada vez que respira.


Rio de Janeiro.

Antonio.