sexta-feira, 30 de março de 2012

Julieta - esta de Cássio

A maçaneta girou. Finalmente Julieta chegou. Quando ela acendeu a luz, viu Cássio sentado na janela, olhando para o nada, estático. Estranhou. “Sai daí, amor. Eu trouxe comida”. Cássio não respondeu. “Tudo bem?”, insistiu. Cássio continuou olhando pra longe... moveu os lábios: “Julieta...”.
Julieta se aproximou, começara a ficar com medo. “Cássio, tá fazendo o que aí? Tá louco?”. Cássio girou o pescoço, olhou para Julieta, a luz agora mostrava a ela o rosto cheio de lágrimas, os olhos vermelhos e inchados de seu noivo. “Louco? Não, não... não. Ah, Julieta, como eu queria que fosse loucura!”. O jovem pardo passava a mão por sua cabeça de cabelos cacheados, seus olhos castanhos estavam tomados por um sentimento que nem Julieta, que o conhecia como ninguém, saberia descrever.
__ Cássio, você está me deixando preocupada. Sua voz está trêmula. Me fala o que tá acontecendo, pelo amor de Deus!
__ É engraçado você citar Deus. Ele não existe, Julieta! Nunca existiu, é um mito. Um mito como é e sempre foi a sua fidelidade! Como você pôde? – respirou- Debaixo do meu nariz... Debaixo do nosso teto, Julieta. E não faça essa cara, sua vadia! Eu encontrei a carta, eu sei de tudo, eu sei de detalhes, eu até consigo imaginar a cena...
__ Cássio...
__ Ele é melhor que eu?
__ Cássio...
__ Ele te fez feliz? Ele fez por você metade do que eu fiz? Você disse pra ele as coisas bonitas que disse pra mim? Prometeu pra ele o que prometeu pra mim?
__ Não nada disso! Sai dessa janela e deixa eu te explicar.
__ Ah, Julieta... eu te quis tanto! Eu fiz tantos planos, eu abri mão de tanta coisa, eu sonhei tanto em tirar você dos seus problemas, te proteger. O que eu fiz de errado? O que faltou?
__ Amor, desce daí. A carta não era pra mim...
__ Não ouse me chamar de amor. Amor era o que eu tinha dentro do peito, era o que me fazia levantar todos os dias e olhar pro lado, só pra ver se você estava respirando, era o que me fazia rir dos outros quando falavam em ficar com muitas mulheres e não se apegarem, era o que me segurava vivo, o que empurrava o ar pra dentro das minhas narinas e enchia meus pulmões, o que me fazia ter o cuidado de olhar se vinha carro pra atravessar a rua, só pra não correr o risco de morrer sem, mais uma vez, chegar em casa e te ver andando com aquela camisola azul que combina com seus olhos... Nada mais tem sentindo, esse amor se despedaçou, eu me despedacei.
__ Me escuta, poxa! Não era pra mim a maldita da carta! Desce daí, por favor!
__ Antes de tocar o chão, minha última visão vai ser você e aquela camisola. Eu não desperdiçaria meu último trago de oxigênio com algo menos bonito. Apesar de tudo, Julieta, você é a pessoa mais fascinante que eu já conheci. A sua boca vermelha que parece sempre estar em chamas, seus olhos claros, convidando pra mergulhar em você, suas mãos macias, seu corpo magro, mas tão cheio de vida, tão quente, tão... tão meu –riu docilmente, olhou para Julieta com os olhos mais apaixonados e judiados que a via láctea já abrigou- Minha Julieta... minha...
Cássio deitou no ar, voou dezessete andares abaixo, acomodou-se no chão, espalhando-se, fazendo por fora o que Julieta fizera por dentro. Julieta estava lá, não conseguia se mexer, até que caiu de joelhos e começou a gritar desesperadamente. Aquele era o homem de sua vida, era o dono do sorriso mais lindo, dos cabelos mais perfeitamente enrolados, do sexo mais perto de amor que se pode ter. Se Julieta merecia ou não Cássio, não importa, ela nem queria saber, sua vida acabou ali. A comida que levara para o jantar esfriaria, o champagne nunca seria aberto, a lingerie nova nunca seria inaugurada, o quarto dos sonhos nunca seria decorado, e, o pior: seu Romeu nunca voltaria da queda.

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