sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Buracos de Alice.

No jardim, Alice se apega a seu tédio e observa a grama. De repente, passa por ela um coelho de colete, tirando o relógio do bolso e entrando numa toca. Sem pensar duas vezes, a curiosa Alice o segue.

Mais um gole. Dentro da toca, Alice não conseguia enxergar um palmo a frente de seu rosto, mas podia ouvir o barulho do relógio se rebatendo no bolso do coelho, e o seguiu. Depois de correr um tempo, perdida no barulho de sua respiração ofegante, Alice parou, sentou-se e fechou os olhos. Adormeceu.

Ao acordar, Alice assustou-se com uma luz forte sobre seus olhos, levantou-se num impulso, derrubando aparelhos e soltando-se de fios, percebeu que estava em uma espécie de laboratório. Havia uns seres estranhos ao seu redor. Alice, ainda zonza, gritou: o que está acontecendo aqui?

- Permita-me, filha do mundo 3D, dos enlatados e da guerra pelo líquido negro, me apresentar – disse um dos seres estranhos – Sou o Sr. L., um dos porta-paraíso.

- Porta-paraíso?!

- Sim, minha jovem. Apresentar-lhe-ei meus amigos. Este é o Sr. S., aquele outro, com o jaleco sujo, o Sr. D.. Antes de mais perguntas, adiantarei as respostas, porque comigo e meus amigos, você pode ver o mundo em todos os seus detalhes...

Mais uma inalada. Depois de dialogarem um pouco, se experimentarem, já estavam íntimos, correndo pelo laboratório, com uma alegria inacreditável. No final da tarde, Alice estava cansada, eram cores demais, tudo muito saturado, resolveu fechar os olhos.

Mais um trago. Alice acordou em uma nuvem, sua barriga gelou quando olhou para baixo, mas naquele dia, nada podia detê-la, tudo estava acontecendo. Alice pulou, e, quem diria? Flutuou no céu cheio de fumaça. Foi indo devagar para o chão, afinal, a sensação de voar é inexplicavelmente linda. Ao tocar o chão, Alice começou a chorar compulsivamente, sem entender nada. Gritou por socorro, o coelho de antes, passou bem ao lado, mostrou o relógio para Alice e disse: “hora de voltar, menina!”.

Mais uma seringa. Multidão. Tuntz-tuntz-tuntz. Alice pulava, sorria, tantas pessoas por perto, tocando-a, penetrando-a, amando-a... tanta gente sumindo. Luz! Alice novamente acordou, dessa vez, os seres ao seu redor eram bem familiares: sua mãe, médicos. A mãe de Alice apontou para o relógio na parede e, chorando, disse:

- O que eu disse, Alice? O que eu disse? Por que você não me atendeu, menina? – respirou – Nem tão menina mais...

Alice, finalmente sentindo seu corpo, sentiu sua virilha pesada, vazia, rompida. Virou para o lado e desejou os senhores L, S e D, voar pelo céu esfumaçado, a multidão. No entanto, Alice tinha apenas a solidão, o coelho e dois buracos: um físico, um na mente.

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