quarta-feira, 25 de maio de 2011

Confissões a uma mucama

Maria, a cada vez que te escrevo sou tomada por uma grande alegria, uma satisfação. Afinal, minha pequena, és uma das raras escravas que sabe ler. Tens em teus vinte anos uma vitalidade de criança, tua pele de mulata que sempre está brilhando tanto... Ah, Maria, tu realmente és diferente das outras escravas! Confesso que me vem uma sensação ainda sem nome quando entras no meu quarto aos domingos, depois de banhar-te, para pentear meus cabelos antes da missa.

Eu estava me lembrando hoje daquele acontecimento do qual não conseguimos falar, apenas repetimos, refazemos. Nós não nomeamos, não dizemos em voz alta, mas o fato, Maria, é que nos beijamos. Beijamos-nos como homem e mulher. Mas somos duas mulheres, então não sei se podemos chamar de beijo, mas foi como um beijo é. E foi o melhor dos beijos que já provei. Melhor que o de Timóteo, melhor que o de Matias e de que todos os dos meus outros namorados secretos. Sempre que acontece, sinto-me culpada quando deixas o quarto, como se fosse pecado. É pecado, Maria?

Não quero que seja pecado, quero que seja algo pelo qual Deus não vá me castigar, quero que seja puro, como eu sinto que é enquanto acontece. Eu estou nervosa hoje, e preciso muito falar-te o motivo. Hoje quando vieste me pentear, parastes de frente para mim, aproximastes teu corpo do meu, quase encostando, e, bem, isso me fez sentir algo estranho, muito estranho. Senti entre minhas pernas, bem lá, um aperto. Passei a missa toda imaginando como seria se eu tivesse trancado a porta e feito algo que passeia em minha cabeça durante todo o dia, despir-te. Despir-te não por impureza, mas para acariciar-te, dar-te o carinho e o respeito que você, na condição de escrava, está tão desacostumada a receber.

Sou casada, muito bem casada, amo meu marido e a vida que ele me dá. Mas nenhum dos luxos compensa a tua ausência. Tu somes toda quarta-feira, sei que para encontrar aquele escravo da fazenda vizinha. Ele é bonito, tu já me contaste dele, já me disseste que ele fala palavras bonitas pra ti, coisas de amor. Gostaria de dizer-te coisas de amor. Se tu fosse homem, Maria, me casava com você. Acho que gosto demais de ti, mais do que uma senhora deve gostar de sua mucama, bem mais... tão mais. Acho que se tu morres, Maria, me dá aquele tal de banzo de que tu me falas. Vai ser como se tivessem me tirado a terra da qual eu pertenço. Tu és minha terra, mulata. Não sei por que, mas tu és minha terra. E um dia, quando vieres pentear meus cabelos, te colocarei no meu colo e a mucama serei eu. Terás um dia de pedidos, deixarei a santidade da missa para acatar a beleza de teus pecados. Talvez venha o castigo algum dia, mas passei a acreditar, ao passear na savana que habita o fundo de teus olhos negros e espantados, que não há neste mundo castigo pior que não chocar os olhos com o contraste entre nossas peles ao unirmos nossos corpos.

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